A transação de débitos federais
A palavra transação exprime uma ideia de realização de um acordo em torno de concessões recíprocas, podendo ser utilizada em vários sentidos e significando, em uma acepção mais ampla, qualquer espécie de negócio jurídico.
No âmbito do Direito Civil, a transação ora foi considerada um ato jurídico, ora um contrato, mas sempre um meio pelo qual as partes poderiam prevenir, decidir ou terminar litígios mediante concessões mútuas de direitos a elas disponíveis. Já no âmbito do Direito Tributário, a transação encontra regramento legal próprio e tratamento doutrinário particular, podendo ser constada a existência de significativas diferenças entre a “transação civil” e a “transação tributária”.
Segundo prevê o Código Tributário Nacional (CTN) em seu artigo 171 “a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário”.
Nesse sentido, é a Lei nº 13.988/2020 que regulamenta a matéria em nível federal e, a partir da análise de tal diploma legal, constatamos a existência de duas espécies diferentes de transação aplicáveis a duas situações distintas, a saber: (i) a transação na cobrança da dívida ativa da União, das autarquias e das fundações públicas federais, que pode ser realizada tanto pela modalidade (i.a) de proposta individual apresentada pelo contribuinte ou pelo fisco, quanto (i.b) de adesão à condições previamente fixadas em edital; e (ii) a transação no contencioso tributário, que somente poderá ser celebrada através da modalidade de adesão.
Procuraremos, a partir de agora, apontar alguns aspectos de cada uma destas modalidades de transação possíveis em sede de cobrança da dívida ativa da União:
Transação por proposta individual do contribuinte ou da PGFN
Regulamentada pela Portaria PGFN nº 9.917/2020, é aplicável aos contribuintes com dívida total superior a R$15 milhões; a devedores em estado de falência, em processo de liquidação ou recuperação judicial ou extrajudicial; aos entes públicos; e à dívidas suspensas por decisão judicial de valor superior a R$1 milhão e que estejam garantidas por penhora, fiança ou seguro.
Nesta modalidade, os termos da transação são negociados de forma específica para cada contribuinte, seguindo o procedimento e os termos gerais previstos na legislação. Importante observar que descontos no valor total devido somente são concedidos a devedores cujos débitos sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.
Transação por adesão à condições previamente fixadas pela PGFN
Atualmente existem quatro espécies de transação por adesão disponíveis para os contribuintes:
- Transação Excepcional
Instituída pela Portaria PGFN nº 18.731/2020 e com prazo limite para adesão até 29 de dezembro de 2020, podem ser incluídos débitos inscritos em dívida ativa da União de até R$150 milhões.
Essa espécie prevê a possibilidade de concessão de reduções do valor devido conforme a capacidade de pagamento do contribuinte, a qual é apurada a partir da sua situação econômica e considerando o impacto da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) na capacidade de geração de resultados da pessoa jurídica ou no comprometimento da renda das pessoas físicas. As reduções podem chegar a até 100% sobre os valores de multas, juros e encargos, respeitado o limite de até 50% do valor total da dívida.
O pagamento é realizado através de uma entrada correspondente a 4% do valor total das inscrições selecionadas, que pode ser parcelada em até 12 meses. Para pessoas jurídicas, o saldo pode ser dividido em até 72 meses. E para pessoas físicas, empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia e sociedades cooperativas o saldo pode ser dividido em até 133 meses. Vale aqui também o limite de 60 vezes para débitos previdenciários.
- Transação Excepcional para débitos rurais
Também com prazo limite para adesão até 29 de dezembro de 2020, esta espécie de transação foi instituída Portaria PGFN nº 21.561/2020 e possibilita aos produtores rurais o pagamento de débitos inscritos em dívida ativa da União que sejam referentes a operações de crédito rural, com reduções e de forma parcelada.
Para contribuintes pessoa física, microempresa e empresa de pequeno porte estão disponíveis as seguintes propostas:
- Entrada referente a 4% do valor consolidado das inscrições selecionadas, sem descontos. E o saldo dividido em até 11 parcelas anuais, com reduções de até 100% sobre o valor dos juros, das multas e dos encargos-legais;
- Entrada referente a 4% do valor consolidado das inscrições selecionadas, sem descontos. E o saldo dividido em até 22 parcelas semestrais, com reduções de até 100% sobre o valor dos juros, das multas e dos encargos-legais; ou
- Entrada referente a 4% do valor consolidado das inscrições selecionadas, sem descontos, dividida em 12 parcelas mensais. E o saldo dividido em até 133 parcelas mensais, com reduções de até 100% sobre o valor dos juros, das multas e dos encargos-legais.
Importante observar que, em qualquer opção, as reduções máximas serão de 70% do valor total da dívida.
Para as demais pessoas jurídicas estão disponíveis as seguintes propostas:
- Entrada referente a 4% do valor consolidado das inscrições selecionadas, sem descontos. E o saldo dividido em até 6 parcelas anuais, com reduções de até 100% sobre o valor dos juros, das multas e dos encargos-legais;
- Entrada referente a 4% do valor consolidado das inscrições selecionadas, sem desconto, dividida em 2 parcelas semestrais. E o saldo dividido em até 12 parcelas semestrais, com reduções de até 100% sobre o valor dos juros, das multas e dos encargos-legais; ou
- Entrada referente a 4% do valor consolidado das inscrições selecionadas, sem descontos, dividida em 12 parcelas mensais. E o saldo dividido em até 72 parcelas mensais, com reduções de até 100% sobre o valor dos juros, das multas e dos encargos-legais.
Nestes casos, as reduções concedidas não poderão ser superiores a 50% do valor total da dívida.
- Transação da Dívida Ativa de Pequeno de Valor
Igualmente com limite para adesão até 29 de dezembro de 2020 e instituída pelo Edital PGFN nº 16/2020, possibilita ao contribuinte pagar os débitos inscritos em dívida ativa da União com benefícios, como entrada reduzida (referente a 5% do valor) e descontos sobre o valor total (que podem ser de 30%, 40% ou 50%).
A transação tributária na dívida ativa de pequeno valor abrange apenas débitos de natureza tributária, inscritos em dívida ativa há mais de 01 (um) ano e cujo valor consolidado seja igual ou inferior a 60 salários-mínimos.
- Transação Extraordinária
Regulamentada pela Portaria PGFN nº 9.924/2020, não contempla a possibilidade de concessão de reduções no valor devido, mas apenas o pagamento dos débitos através de uma entrada correspondente a 1% do valor total das inscrições selecionadas, a qual pode ser parcelada em até três meses; e o saldo, no caso de pessoa jurídica, pode ser dividido em até 81 meses e, no caso de pessoas físicas, empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia e sociedades cooperativas, pode ser dividido em até 142 meses.
Cumpre destacar que, para a transação de débitos previdenciários, o número de parcelas é de, no máximo, de 60 vezes.
Importante observar o prazo limite para adesão, que também é 29 de dezembro de 2020.
Como fazer a adesão
Os procedimentos para adesão dependem da modalidade e espécie de transação que for escolhida. Via de regra, são realizados pelo sistema Regularize da PGFN e dependem do fornecimento de informações obtidas a partir das declarações de Imposto de Renda, no caso de pessoas físicas, ou de balanços e balancetes contáveis, no caso de pessoas jurídicas. Em alguns casos, principalmente nas modalidades por proposta individual, podem ser necessárias reuniões com a PGFN.
Alguns pontos merecem especial atenção por parte do contribuinte que pretende transacionar seus débitos, como a apuração do fator redutor da capacidade de pagamento em decorrência da pandemia nos casos de transação excepcional, a identificação, análise e seleção dos débitos que serão incluídos no acordo e a verificação de qual modalidade e espécie mais benéfica ao contribuinte.
É muito importante também que, antes da adesão, se faça uma verificação detalhada de todos os débitos do contribuinte, a fim de verificar possíveis situações que venham a resultar na extinção dos débitos, como casos de ocorrência de decadência ou prescrição, ou da possibilidade de manejo de outras ações para discutir a legalidade e constitucionalidade de tais débitos.